“A cada ano, centenas de milhares de crianças ficam presas em escolas que fracassam com elas.”
Por trás da frase que abre o documentário Esperando pelo Superman, do premiado diretor Davis Guggenheim, esconde-se uma verdade incômoda: o sistema educacional de um dos países mais ricos do mundo tem deixado para trás justamente aqueles que mais precisam dele. Ao acompanhar famílias, educadores e gestores em cinco distritos escolares dos Estados Unidos, o filme revela como a promessa de uma escola pública de qualidade está longe de ser cumprida — e como alguns tentam resgatá-la, mesmo quando tudo parece estar contra.
Quando sua moradia determina o futuro
A primeira inquietação que o documentário apresenta é brutalmente simples: onde uma criança mora pode selar o destino dela. Em bairros marcados por pobreza e vulnerabilidade social, escolas públicas operam em um ciclo vicioso de baixo desempenho, evasão e desmotivação. As chances de um aluno conseguir boa formação nesses contextos são drasticamente reduzidas — e muitas famílias sabem disso.
É o caso de Bianca, menina de sete anos do Bronx, cuja mãe luta para conseguir uma vaga em uma escola charter (instituições de gestão privada com financiamento público). Assim como ela, milhares de pais enfrentam sorteios e longas listas de espera em busca de uma alternativa viável à escola da vizinhança. Para essas famílias, não há margem de erro: perder a vaga pode significar perder o futuro.
Reforma sob pressão
No coração desse debate, surgem personagens que personificam as tensões e esperanças da reforma educacional. Uma das figuras centrais do documentário é Michelle Rhee, que, à frente do sistema escolar de Washington D.C., adotou uma gestão ousada. Ao promover avaliações de desempenho, revisar contratos e questionar práticas consolidadas, ela dividiu opiniões. Rhee representa o tipo de liderança que aposta em rupturas para provocar mudanças estruturais — mas também enfrentou a resistência de sindicatos e burocracias enraizadas.
Outro nome que ganha destaque é Geoffrey Canada, fundador da Harlem Children ‘s Zone. Em seu modelo, educação é apenas parte de uma abordagem mais ampla: saúde, alimentação, apoio familiar e segurança também entram na equação. Para Canadá, é impossível falar em aprendizado sem falar em dignidade.
A sala de aula como campo de disputa
Esperando pelo Superman não se contenta em apontar falhas — ele explora também as tentativas de solução. As escolas charter, apresentadas como promissoras alternativas à rede tradicional, ocupam espaço relevante na narrativa. Com flexibilidade administrativa e metas claras de desempenho, essas instituições mostram resultados positivos em muitos contextos. Ainda assim, sua expansão enfrenta críticas e desafios de sustentabilidade.
A controvérsia se estende aos sindicatos de professores. O filme levanta a questão delicada da estabilidade no emprego: seria ela um obstáculo à qualidade do ensino? Embora a proteção trabalhista seja essencial, a ausência de critérios claros para reconhecer, valorizar e eventualmente substituir profissionais ineficazes é apontada como uma trava ao progresso.
Mais do que dados: histórias reais
Ao longo da obra, cinco histórias individuais costuram a denúncia estrutural com emoção e humanidade. São crianças que sonham com um lugar melhor, pais que se desdobram para garantir esse sonho e educadores que acreditam na transformação, mesmo com recursos escassos. As trajetórias mostram que, para além das estatísticas, existe uma urgência concreta — e cotidiana.
Em Baltimore, Los Angeles, Chicago, Nova Orleans e Washington D.C., o documentário revela que a qualidade da educação pública depende menos da riqueza da nação e mais da prioridade que ela dá às suas crianças. Afinal, de que adianta investimento se ele não chega a quem mais precisa?
Quando a comunidade exige mudança
Um dos pontos altos do filme está na mobilização comunitária. Pais que ocupam reuniões escolares, líderes que criam alternativas locais, diretores que enfrentam sistemas — todos esses agentes demonstram que a transformação educacional não depende apenas de leis e planos de governo. Ela nasce, muitas vezes, da pressão da sociedade por transparência, compromisso e resultados.
Nesse sentido, o filme funciona como um chamado à ação. Ao invés de esperar por um “superman” que resolva os problemas de cima para baixo, a solução parece vir daqueles que se recusam a esperar.