Em Elizabeth: A Era de Ouro (2007), dirigido por Shekhar Kapur, Cate Blanchett ressurge como a Rainha Virgem, agora mais madura, mais sóbria — e ainda mais ameaçada. O filme retrata os anos cruciais de seu reinado, marcados pela ascensão da Espanha Católica, a conspiração de Maria Stuart e a formação de um império britânico sob ameaça constante.
Não se trata apenas de um épico de guerra ou de uma biografia ilustrada, mas de um estudo cinematográfico sobre o poder feminino em tempos que o negavam por princípio.
Entre fé e pólvora: o trono como campo de batalha
Ambientado no final do século XVI, o longa dramatiza a tensão crescente entre protestantes e católicos, com a Inglaterra de Elizabeth no centro da disputa teológica e territorial. Enquanto Felipe II, da Espanha, trama uma cruzada marítima em nome de Deus e da hegemonia católica, a corte inglesa se vê dividida entre lealdades, segredos e traições.
Neste cenário, a fé é menos devoção e mais ferramenta política. Espiões, padres infiltrados e alianças diplomáticas formam a verdadeira guerra silenciosa que precede o estrondo das canhoneiras da Invencível Armada.
A rainha e o espelho: o íntimo na figura de Estado
Kapur investe tanto em cenas palacianas quanto em enquadramentos íntimos, revelando a solidão de uma mulher tornada símbolo. Elizabeth I, ao renunciar ao casamento com Sir Walter Raleigh (Clive Owen), escolhe a Inglaterra como único consorte. Mas o filme não a apresenta como fria estrategista. Pelo contrário: é na dúvida, na hesitação e até na raiva que vemos o humano por trás do manto de autoridade.
A tensão dramática cresce quando amor e dever colidem. O desejo de viver como mulher é sufocado pela obrigação de ser monarca — e essa renúncia constante forja a imagem da “Rainha Virgem” que a história consagraria.
Espionagem e intriga: o Estado nas sombras
Sir Francis Walsingham (Geoffrey Rush), conselheiro fiel e chefe da rede de espiões da rainha, personifica o jogo de bastidores que sustenta o poder de Elizabeth. É através dele que o filme articula a noção de Estado como construção estratégica, que depende tanto da força militar quanto da informação.
A tensão com Maria Stuart, prisioneira e rival de sangue, é representada com elegância trágica — um xadrez político entre duas mulheres que compartilham o mesmo destino: serem julgadas por homens, por suas escolhas e por sua fé.
Quando o trono é feminino: poder, gênero e legado
O maior feito de Elizabeth: A Era de Ouro talvez não esteja na reconstituição histórica precisa (com algumas liberdades dramáticas), mas na sua abordagem simbólica. Em plena era dominada por líderes masculinos e guerras santificadas, a figura de uma mulher que governa sem rei ao lado se torna política por si só.
Elizabeth resiste, comanda frotas, desafia impérios — mas paga o preço do isolamento. Sua imagem diante dos súditos, com armadura sobre o vestido e cabelos dourados como chama viva, é ao mesmo tempo arte e alegoria: a mulher que se tornou Estado.
Uma coroa sobre o mar
Elizabeth: A Era de Ouro é mais do que uma sequência. É uma resposta cinematográfica à pergunta: o que torna um governante inesquecível? Segundo o filme, não são apenas as vitórias militares ou as políticas externas — mas a coragem de permanecer de pé quando tudo parece ruir, de governar com firmeza sem abrir mão da dignidade. E, sobretudo, de entender que liderar é, muitas vezes, abdicar.