Um jovem negro é atropelado por um policial branco. O encobrimento do crime revela não apenas falhas individuais, mas as estruturas racistas que moldam a justiça nos Estados Unidos.
Quantos segundos apagam uma vida?
“Quantos segundos são necessários para apagar uma vida? E quantos anos para enfrentar a verdade?” É essa pergunta que ecoa como fio condutor da minissérie Seven Seconds (2018), criada por Veena Sud, a mesma mente por trás de The Killing. Com uma narrativa densa e emocionalmente devastadora, a produção da Netflix transforma um crime banalizado em uma poderosa denúncia sobre racismo sistêmico, violência policial e o luto de uma mãe que se recusa a se calar.
O crime e o silêncio institucional
Logo nos primeiros episódios, acompanhamos a tragédia: Brenton Butler, um jovem negro de Jersey City, é atropelado por um policial branco. O agente, em vez de prestar socorro, entra em pânico e aciona colegas da corporação, que rapidamente elaboram um plano para encobrir o crime. O que se segue é um mergulho nas engrenagens de um sistema que protege seus próprios agentes, mesmo à custa da verdade.
A série não busca apenas chocar com a violência, mas expor como instituições falham de maneira estrutural quando as vítimas são corpos negros. O que poderia ser resolvido com transparência se transforma em uma rede de mentiras, omissões e cumplicidades.
A luta de uma mãe, a voz de uma comunidade
No centro da narrativa está Latrice Butler, interpretada com intensidade por Regina King (vencedora do Emmy 2018 pelo papel). Latrice é uma mãe dilacerada, mas também uma mulher em transformação. Sua dor evolui para indignação, e sua indignação em mobilização. A personagem representa milhares de mães negras cujos filhos são assassinados ou desaparecem sob a negligência (ou ação direta) do Estado.
Ao lado dela, a promotora KJ Harper (Clare-Hope Ashitey) e o detetive Fish (Michael Mosley) tentam enfrentar o sistema por dentro, lidando com pressões internas, racismo institucional e dilemas éticos que colocam suas próprias carreiras em risco.
Uma estética que denuncia pelo silêncio
Seven Seconds aposta numa estética visual sóbria e sombria. A fotografia desaturada, os planos longos e os enquadramentos claustrofóbicos criam uma atmosfera sufocante, que reflete não apenas o luto dos personagens, mas a sensação de impotência diante de instituições que deveriam proteger e não destruir. A trilha sonora minimalista evita qualquer tom sensacionalista, reforçando a seriedade e o peso emocional da trama.
Da ficção ao espelho social
Embora ficcional, a série bebe diretamente de casos reais, como os de Tamir Rice, Trayvon Martin e tantos outros adolescentes negros mortos em circunstâncias semelhantes nos Estados Unidos. Seven Seconds não pretende apenas entreter, mas educar, denunciar e provocar. Seu realismo incomoda porque é reconhecível. Porque está acontecendo agora.
Ao retratar um caso aparentemente isolado, a série desvela toda uma rede de desigualdade que atravessa o sistema penal norte-americano: investigações enviesadas, julgamentos parciais, penas brandas (quando existem) para policiais, e a dor invisível das comunidades negras.
Justiça, gênero e resistência
Além da crítica ao racismo estrutural, Seven Seconds também dá protagonismo a mulheres negras em posições de resistência. Latrice e KJ, cada uma à sua maneira, rompem silêncios impostos e desafiam estruturas dominadas por homens brancos. Com isso, a série também se conecta ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 5 (Igualdade de Gênero), ao lado dos ODS 10 (Redução das Desigualdades) e 16 (Paz, Justiça e Instituições Eficazes).
Um final amargo — e necessário
O episódio final não entrega uma catarse. Ao contrário, oferece uma conclusão agridoce, frustrante até, que reflete a complexidade da justiça real. Não há vencedores, apenas sobreviventes. E talvez essa seja a lição mais contundente da série: nos tribunais da vida real, a verdade nem sempre vence, especialmente quando ela é negra, pobre e periférica.
Um grito que não se cala
Com apenas uma temporada e dez episódios, Seven Seconds é uma minissérie que permanece como um soco no estômago e uma aula sobre as feridas abertas do racismo institucionalizado. Regina King lidera um elenco afiado que transforma a indignação em arte, e a arte em instrumento de consciência.