Quebrando o Tabu, documentário lançado em 2011 que, mais de uma década depois, ainda provoca debates incômodos – e necessários. Conduzido pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o filme desce dos palanques e sobe morros, atravessa fronteiras e encara um tema que há muito foi sequestrado por ideologias: o fracasso da guerra às drogas.
Uma viagem pelo mundo e pelas falácias da repressão
De Portugal à Colômbia, da Suíça ao Brasil, Quebrando o Tabu percorre 18 países para compor um mosaico de relatos, estatísticas e experiências. O que emerge é um retrato claro: a política de proibição, longe de conter o uso de entorpecentes, gerou uma cadeia de efeitos colaterais devastadores. Superlotação carcerária, crescimento de facções criminosas, sobrecarga do sistema judicial e violações sistemáticas de direitos civis são algumas das consequências expostas com franqueza pelo documentário.
A presença de ex-líderes como Bill Clinton e Jimmy Carter, ao lado de médicos como Dráuzio Varella e de usuários comuns, confere amplitude e autoridade ao debate. O espectador não vê apenas números: vê rostos, histórias e escolhas políticas que impactam vidas reais.
Da criminalização à compaixão: saúde no centro do debate
Um dos eixos centrais do documentário é a defesa da dependência química como uma questão de saúde pública, não de polícia. Países como Portugal e Suíça, onde políticas de descriminalização foram acompanhadas por investimentos em tratamento e prevenção, servem como contraponto prático ao modelo punitivista. O resultado? Queda no número de overdoses, diminuição da criminalidade e reintegração social mais eficaz.
No Brasil, o contraste é gritante. A população carcerária por crimes relacionados a drogas disparou nos últimos anos, afetando sobretudo jovens negros e periféricos. Como aponta o filme, a lei não atinge o grande traficante – mas o usuário da quebrada, a mãe que visita o filho preso por portar uma pequena quantidade de maconha, o adolescente que entra no sistema e sai dele marcado para sempre.
Uma nova política começa com uma nova escuta
A força de Quebrando o Tabu não está apenas na denúncia, mas na escuta ativa de vozes historicamente marginalizadas. Ex-usuários como o escritor Paulo Coelho compartilham seus processos de superação; lideranças internacionais admitem os limites das políticas que um dia defenderam. Ao reunir perspectivas tão diversas, o filme amplia o campo de possibilidades e mostra que mudar é não só possível, mas necessário.
O impacto ultrapassou as telas: inspirou o portal homônimo e a criação de uma ONG voltada para a defesa de direitos humanos e políticas públicas baseadas em evidências. Hoje, “Quebrando o Tabu” se tornou a maior página da América Latina dedicada ao tema – prova de que o documentário tocou em uma ferida aberta.
A repetição como vício: o que se mantém quando nada muda
Insistir em uma política que não cumpre sua promessa há mais de 50 anos é, como o filme sugere, um tipo de dependência institucional. O combate às drogas, da forma como é conduzido, custa caro – em vidas, em dinheiro, em confiança nas instituições. E o retorno é baixo: o consumo continua, a violência escala, e o abismo social se aprofunda.
Quebrando o Tabu não oferece respostas prontas. Mas faz as perguntas certas – e exige que elas deixem de ser ignoradas.