Abuso, racismo e desigualdade explodem nas salas de aula e nos corredores de uma das maiores escolas públicas do Brooklyn
Não é só sobre crescer — é sobre sobreviver
Lançada pela Netflix em outubro de 2020, Grand Army chegou como uma das narrativas mais viscerais da chamada Geração Z. Criada por Katie Cappiello, a série acompanha cinco estudantes da Grand Army High School, em Brooklyn, Nova York, e traça um panorama intenso e brutal das realidades enfrentadas por jovens que vivem à sombra de um sistema que frequentemente silencia, ignora ou pune suas existências.
Joey, Dom, Sid, Jayson e Leila não são apenas personagens; são espelhos de uma juventude real e marcada por traumas. Evidentemente desde o primeiro episódio com um atentado que serve de gatilho coletivo e simbólico, a série constrói um mosaico de violências como o racismo estrutural, desigualdade social, assédio sexual, homofobia, crises de identidade e pressões familiares.
O sistema não falha — ele funciona para quem sempre teve as regras a seu favor
A grande força de Grand Army é sua recusa em simplificar os conflitos. Ao contrário, expõe como as estruturas institucionais, sendo elas a escolas, polícia, mídia, famílias, que contribuem para a perpetuação de desigualdades. O racismo, por exemplo, aparece em micro agressões normalizadas e decisões pedagógicas enviesadas. Jayson, jovem negro e talentoso, é punido de forma desproporcional por protestar contra essas injustiças. Já Dom, aluna negra de origem haitiana, precisa equilibrar a pressão por boas notas com responsabilidades adultas impostas por sua condição social.
Essas tensões não são meros subtextos: são o centro da narrativa. A série não teme incomodar, e sua linguagem visual com câmera na mão, cortes secos e iluminação natural, reforça esse incômodo. A fotografia fria e os ambientes claustrofóbicos criam uma estética quase documental, como se estivéssemos invadindo a intimidade emocional dos personagens.
Entre o trauma e a resistência
O arco de Joey, talvez o mais brutal da temporada, revela o impacto devastador do abuso sexual e a cultura de silêncio e culpa que frequentemente recai sobre as vítimas. A série trata o tema com seriedade, sem romantizações, e escancara como o sistema falha em proteger e ouvir. Ao lado disso, vemos movimentos de resistência emergirem: mobilizações antirracistas, laços de solidariedade entre estudantes, pequenas vitórias que indicam caminhos possíveis, ainda que precários.
O episódio final, marcado por formaturas e despedidas, não oferece resoluções fáceis. Ao contrário: reforça o sentimento de que o futuro, para esses jovens, continua sendo uma construção diária, feita entre escombros e esperanças. É essa honestidade que torna Grand Army tão poderosa.
Drama teen como denúncia social
Muito além de um drama adolescente, a série funciona como denúncia. Mostra que, por trás das estatísticas e manchetes, há rostos, histórias e dores que merecem ser vistas — e ouvidas. A decisão da Netflix de cancelar a produção após apenas uma temporada gerou críticas e deixou lacunas. Ainda assim, os nove episódios lançados continuam reverberando como um grito de alerta.
Com 69% de aprovação no Rotten Tomatoes e nota 7,5 no IMDb, Grand Army dividiu opiniões, mas conquistou reconhecimento por sua autenticidade. A série está longe de ser perfeita em ritmo, equilíbrio de arcos ou mesmo representação de certas identidades, mas acerta ao colocar no centro da discussão jovens que, na vida real, são frequentemente deixados à margem.
Geração Z: ferida, complexa, politizada
No coração de Grand Army está a necessidade urgente de escutar quem está crescendo sob o peso de um mundo em colapso. Os personagens não querem apenas sobreviver; querem existir com dignidade, amar sem medo, expressar quem são. A série toca em temas alinhados aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, especialmente os ligados à saúde mental, equidade de gênero, redução das desigualdades e justiça institucional.
Em tempos em que o entretenimento muitas vezes evita as feridas abertas da sociedade, Grand Army escolhe mergulhar nelas.