A produção de almôndegas, hambúrgueres e, eventualmente, bife bovino ou filé de frango é uma possibilidade atraente que os principais líderes da indústria alimentícia estão explorando, graças ao desenvolvimento da proteína cultivada em laboratórios, onde apenas uma célula pode ser utilizada como fonte.
A JBS (JBSS3), a maior empresa de alimentos global, está investindo intensamente em proteína cultivada e planeja disponibilizar sua produção comercial até o fim de 2024.
Durante o período de 2021 a 2025, a empresa pretende investir US$ 100 milhões para consolidar sua posição como uma das principais produtoras de proteína cultivada globalmente. Como parte deste esforço, a empresa adquiriu 51% das ações da BioTech Foods, com parte dos fundos alocados para esta finalidade.
Eduardo Noronha, diretor global da unidade de negócios de valor agregado da JBS, explica que, devido à projeção de crescimento populacional e o aumento da demanda de proteína em 70%, é importante que a maior produtora de alimentos do mundo ofereça essa alternativa. Para atender a essa demanda, a produção de proteína global deve aumentar em cerca de 135% em relação à atual.
Com o intuito de construir uma fábrica da BioTech Foods em San Sebastián, na Espanha, e produzir carne a partir de células animais cultivadas em biorreatores, a JBS investiu cerca de US$ 40 milhões. A previsão é que a fábrica esteja pronta para entrega no próximo ano, com a produção prevista para iniciar na segunda metade de 2024 em diversos países do mundo. A capacidade inicial de produção é de 1.000 toneladas de carne ao ano, com planos futuros de chegar a 4.000 toneladas no médio prazo.
Um investimento adicional de US$ 60 milhões será direcionado para o desenvolvimento da produção da JBS no Brasil. O JBS Biotech Innovation Center, liderado pelo renomado cientista Dr. Luismar Porto, que já trabalhou em Harvard e no Massachusetts Institute of Technology (MIT), terá sua sede em Santa Catarina.
O projeto de engenharia foi aprovado nesta fase atual e a planta tem previsão de ser entregue e iniciar suas operações no final de 2024. A empresa está atualmente selecionando pesquisadores, dando prioridade a brasileiros com experiência internacional. Um total de 25 especialistas serão contratados, além de técnicos de laboratório. A criação inicial de empregos diretos está prevista em 100 vagas.
Qual é o processo de produção da proteína cultivada?
Ao contrário dos produtos à base de plantas, a proteína cultivada não é derivada de fontes vegetais. Para obtê-la, os cientistas utilizam uma célula animal retirada, por exemplo, através da coleta de sangue. Essa célula é posteriormente cultivada em biorreatores, dentro do laboratório. No caso da carne de frango, por exemplo, é possível iniciar o cultivo a partir de uma célula do ovo.
Essa célula se multiplica com a ajuda de nutrientes e aminoácidos, gerando outras células que se unem para formar uma mistura de carne e gordura, de acordo com as informações fornecidas por Porto. Em resumo, o processo que acontece no laboratório e em seus biorreatores é uma reprodução do desenvolvimento natural. É importante lembrar que todo animal começa como uma única célula. Com a tecnologia de cultivo de proteínas, é possível produzir em algumas semanas o que levaria pelo menos dois anos para ser obtido “in vivo”. O processo começa em uma pipeta de laboratório e, em seguida, é escalado para o processo comercial.
De acordo com Porto, a tecnologia possibilitará a criação de novos alimentos, tais como alimentos funcionais ou com sabores inovadores. Porto ressalta que essa tecnologia atenderá a diversas demandas, incluindo novos sabores e texturas que vão além das necessidades nutricionais.
Porto e Noronha afirmam que, por enquanto, não é realista esperar que um pedaço de picanha seja produzido em laboratório. De acordo com eles, a tecnologia de proteína cultivada atualmente é capaz de gerar ingredientes para a fabricação de outros produtos processados, como hambúrgueres, almôndegas, empanados e embutidos. Noronha imagina que, num futuro distante, seja possível criar uma picanha com impressão 3D, mas isso ainda é especulativo.
Mercado em crescimento
De acordo com a McKinsey, a produção de proteína cultivada poderá chegar a 0,4 a 2,1 milhões de toneladas métricas até 2030. Esse número representa atualmente menos de 1% da produção de carne in natura, mas o setor tem recebido crescente interesse de investidores.
O diretor da JBS, Noronha, expressa que embora seja difícil prever o tamanho do mercado de proteína cultivada, ele está confiante no investimento realizado. Ele aponta que o mercado global de proteína deverá alcançar a marca de US$ 1 trilhão nos próximos anos. Embora a carne atual não deixará de existir, Noronha argumenta que os métodos de produção tradicionais não serão capazes de suprir a crescente demanda.
No mercado brasileiro, a BRF (BRFS3) juntou-se à JBS e agora também está investindo na produção de carne cultivada. A empresa fechou uma parceria com a israelense Aleph Farms para co-desenvolver e produzir carne cultivada utilizando a tecnologia da Aleph. A BRF será responsável por distribuir os produtos resultantes da parceria no mercado brasileiro, incluindo a carne bovina cultivada.
A grande dificuldade enfrentada pelas empresas reside em reduzir os custos do produto para torná-lo economicamente viável. O surgimento do primeiro hambúrguer de carne cultivada ocorreu em 2013, porém, seu valor ultrapassava 300 mil dólares. Atualmente, o preço reduziu significantemente, saindo em média por 10 dólares por unidade, todavia, ainda é consideravelmente alto se comparado à opção tradicional. Segundo Noronha, o valor pode diminuir conforme a escala de produção aumentar, tornando-o mais acessível. Além disso, a técnica possui alta capacidade de produção, o que pode impulsionar sua popularidade no futuro, possivelmente tornando-a uma commodity.