Com ecos de ópera e ironia existencial, Paolo Sorrentino transforma um spa suíço em palco para o ocaso da fama, a persistência da arte e o peso daquilo que nunca foi dito.
O teatro da finitude: quando o luxo ecoa o fim
Em A Juventude, Paolo Sorrentino abandona as ruas fervilhantes de Roma (A Grande Beleza) para compor uma sinfonia visual nos Alpes, onde dois velhos amigos – um maestro aposentado e um cineasta em crise – atravessam os corredores da memória, do fracasso e do legado. O cenário é um spa de luxo nas montanhas suíças, mas poderia muito bem ser o limbo de almas inquietas que ainda não decidiram se o melhor de suas vidas já passou ou está por ser resgatado.
Fred Ballinger (Michael Caine) resiste à tentação de reger novamente, mesmo diante de um convite real. Mick Boyle (Harvey Keitel) escreve o que promete ser seu “testamento artístico”, cercado por uma trupe de roteiristas-devotos. Acometidos por lapsos de saúde, memória e vaidade, ambos encenam uma coreografia melancólica sobre a persistência da criação quando o corpo vacila, a mente duvida e o passado pesa como pauta inacabada.
O som das coisas que não dissemos
Com fotografia minuciosa e trilha sonora que alterna entre adágios sentimentais e absurdos harmônicos, Sorrentino orquestra uma narrativa em que o tempo não passa — ele reverbera. A música atravessa o filme como metáfora e estrutura: há concertos silenciosos para vacas, fonoaudiólogos à beira do bosque e a célebre “Simple Song #3”, indicada ao Oscar, que condensa, em poucos minutos, a elegância da dor que ainda não virou discurso.
Essa dor também é feminina. Lena (Rachel Weisz), filha de Fred, sofre entre a lealdade filial e o fim abrupto do casamento. Brenda Morel (Jane Fonda), estrela de 8 minutos, entra em cena como furacão e sai como ruína — mas seu breve monólogo desmascara a ilusão de grandeza masculina com precisão cortante. O filme sugere que, para as mulheres da indústria criativa, envelhecer é menos melancólico e mais brutal.
Criatividade em entressafra: a velhice como estopim
Diferente dos dramas que tratam a terceira idade como apêndice da juventude, A Juventude propõe o contrário: que talvez o auge criativo esteja justamente no esforço de continuar, mesmo sem garantias de impacto ou reconhecimento. Fred e Mick não estão à beira do fim — estão à beira da escolha. Criar ou calar-se? Repetir ou arriscar?
Essa tensão ganha contornos farsescos com o ator Jimmy Tree (Paul Dano), que se refugia no hotel para escapar da própria caricatura midiática — uma crítica mordaz ao culto da imagem e à volatilidade da fama. A piada recorrente sobre sua atuação “com cabeça de robô” resiste ao tempo e sintetiza um drama contemporâneo: como sobreviver artisticamente num mundo que consome símbolos e descarta pessoas?
Parcerias, ruínas e reinvenções
Coprodução entre Itália, França, Suíça e Reino Unido, A Juventude mostra que os vínculos criativos podem ser tão duradouros quanto frágeis. A amizade entre Fred e Mick, construída ao longo de 60 anos, revela-se não apenas abrigo, mas também espelho desconfortável. Eles compartilham segredos e frustrações, mas também disputam silenciosamente o direito de se sentir ainda relevantes.
Sorrentino transforma o spa em personagem: seus corredores reverberam fantasmas, suas piscinas terminais funcionam como metáforas de purgação e os Alpes funcionam como coro mudo que observa, com distância gélida, a decadência dos protagonistas. Não há soluções fáceis — apenas a beleza de uma mise-en-scène que trata a finitude como estética, e não como tragédia.
Entre o sublime e o cômico: o estilo de Sorrentino amadurece
Indicado à Palma de Ouro em Cannes e vencedor de múltiplos prêmios europeus, A Juventude é um filme que se equilibra entre o sublime e o grotesco, entre a delicadeza do silêncio e o ruído das lembranças. A câmera dança como se conduzida por um maestro invisível, alternando cenas que poderiam estar num sonho bergmaniano ou num musical de Wes Anderson.
Mesmo fora dos catálogos fixos de streaming em 2025, o longa continua reverberando em cinéfilos, artistas e espectadores sensíveis ao tema do envelhecimento criativo. É, ao mesmo tempo, uma carta de amor à arte e um bilhete de despedida à juventude como promessa de eternidade.
Sorrentino não filma um adeus — filma um eco. A Juventude não busca consolo, mas escuta. Ao abordar o envelhecimento como etapa produtiva e emocionalmente complexa, o filme propõe um olhar contemporâneo sobre bem-estar, visibilidade feminina, longevidade criativa e saúde mental — tudo sem levantar bandeiras, mas com a precisão poética de quem sabe que, após a última nota, é no silêncio que a música continua.