Quando os adultos desaparecem e a floresta cerca todos os caminhos, resta aos jovens reinventar a civilização — ou deixar que ela imploda. The Society, série da Netflix lançada em 2019, transporta o drama adolescente para um cenário distópico realista, onde a autogestão se impõe como única alternativa. O que começa como choque e improviso se torna um intenso experimento de poder, justiça e moralidade — encenado por quem ainda está aprendendo a viver.
Contrato social sob pressão
Logo nos primeiros episódios, The Society abandona qualquer explicação sobrenatural para seu mistério central. O foco não está em como os adolescentes ficaram presos, mas no que eles fazem com essa nova realidade. Em vez de monstros, o perigo vem das decisões humanas: quem lidera? Quem julga? Quem pune?
A série apresenta, de forma crua, o nascimento de um contrato social improvisado. A criação de um conselho, a divisão de tarefas, a justiça comunitária — tudo é construído em tempo real, com base no medo, na necessidade e na confiança. Ao fazer isso, a narrativa espelha dilemas institucionais do mundo real, condensados em uma microcomunidade à beira do colapso.
Crescer à força: adolescência como campo de batalha
Privados de supervisão e segurança, os personagens são obrigados a atravessar a adolescência de forma abrupta — assumindo responsabilidades para as quais não foram preparados. A escola cede lugar ao racionamento de comida. Os jogos e festas se convertem em assembleias e julgamentos.
A maturidade não chega por escolha, mas por imposição. E esse processo revela feridas não resolvidas: inseguranças, rivalidades, paixões. Ao colocar os protagonistas sob extrema pressão, The Society transforma a metáfora da juventude em transição em uma experiência concreta de governar e ser governado.
Desigualdades, privilégios e a ilusão da igualdade
Ainda que todos partam do mesmo ponto — isolados e sem adultos — as desigualdades rapidamente se reinstalam. Os populares acumulam influência, os fortes impõem medo, e os antigos excluídos continuam à margem. A série aponta que mesmo em um recomeço absoluto, os vícios do mundo anterior ressurgem com força.
É nesse contexto que se tensionam debates sobre meritocracia, justiça redistributiva e acesso a bens comuns. O confronto entre o ideal de igualdade e a prática do poder revela que não basta criar novas leis — é preciso questionar quem se beneficia com elas.
Cooperação ou caos: os limites da ética coletiva
Conforme o isolamento se prolonga, a coesão social se desgasta. Surgem facções, golpes e assassinatos. O interesse pessoal — ou de pequenos grupos — começa a superar o bem comum. O que fazer quando a solidariedade cede à sobrevivência?
The Society não oferece respostas fáceis. Ao contrário: seus personagens se debatem em dilemas morais que expõem a fragilidade da ética quando não há consequências externas. É nesse vácuo institucional que a série se aproxima de autores como William Golding, mas também de Hobbes e Rousseau — sem nunca perder o tom emocional e humano de seus conflitos.
Mais do que uma distopia teen, The Society é um espelho desconcertante de como se constrói — e se destrói — uma comunidade. Entre conselhos improvisados, racionamentos e eleições tensas, a série desafia o espectador a pensar em que bases se funda uma sociedade justa. E nos lembra que a paz não depende apenas de instituições: depende da capacidade — ou não — de reconhecermos limites éticos mesmo quando ninguém está vigiando.