No Rio de Janeiro do cartão-postal, onde o azul do mar convive com a ausência de Estado, Não Se Pode Viver Sem Amor (2010), dirigido por Jorge Durán, entrelaça histórias de personagens deslocados, em busca de um lugar — físico, simbólico e afetivo — para existir. Em uma véspera de Natal sem milagres, o filme recusa idealizações e aposta nos encontros acidentais como potência de cuidado.
A frase que dá título ao longa não é uma metáfora otimista: é uma constatação dura. Num cenário onde a cidade expulsa e os vínculos estão fraturados, o afeto torna-se questão de sobrevivência. Roseli e seu filho Gabriel chegam de ônibus à cidade grande. Procuram o pai da criança, mas o que encontram é o eco de uma ausência que não se responsabiliza. Essa busca sem endereço certo mobiliza o núcleo do filme — e conecta as demais vidas à deriva.
Fragmentos de um Brasil Partido
João (Cauã Reymond), advogado sem trabalho, vive entre a angústia e a inércia. Pedro, pesquisador acadêmico, debate-se entre o papel profissional e os afetos mal resolvidos. Gilda, dançarina de boate, tenta recomeçar, mas carrega marcas de relações abusivas. São pessoas distintas, mas com algo em comum: todas vivem o colapso das promessas modernas — sucesso, estabilidade, pertencimento.
Durán costura essas trajetórias com delicadeza, evitando o sensacionalismo da miséria ou o didatismo das teses sociais. A cidade, filmada sem filtros, é mais que cenário: é personagem que ora acolhe, ora rejeita. A geografia revela o abismo — do luxo à precariedade, do asfalto à areia, da visibilidade à invisibilidade.
Afeto Como Ato Político
Embora as condições materiais sejam áridas, o filme encontra espaço para a ternura. As alianças que se formam não são duradouras, mas são reais: uma ajuda improvisada, um gesto de escuta, um teto temporário. O Natal, normalmente sinônimo de consumo e reencontro familiar, aqui é apenas o pano de fundo para lembrar que nem todos têm a quem voltar — e que a solidariedade eventual pode ser o único abrigo emocional possível.
O longa levanta uma pergunta fundamental: em um país onde a desigualdade estrutura os afetos, quem cuida de quem? O abandono paterno, central na narrativa de Roseli e Gabriel, ecoa como metáfora de um Estado que também se ausenta — especialmente das infâncias negras, pobres e migrantes.