Com tom sarcástico e um elenco estelar, Não Olhe Para Cima (2021) escancara a incapacidade humana de lidar com ameaças globais, como a crise climática. Ao transformar o fim do mundo em espetáculo político e midiático, o filme reflete, com humor ácido, o descompasso entre ciência, poder e sociedade — e alerta: rir da tragédia pode ser o primeiro passo para repeti-la.
A ciência fala, mas quem escuta?
A frustração dos personagens de Leonardo DiCaprio e Jennifer Lawrence é compartilhada por cientistas reais ao redor do mundo. Por mais claros que sejam os dados e os alertas, a resposta institucional costuma ser morosa, fragmentada ou politicamente motivada. Em contextos polarizados, o conhecimento técnico passa a ser questionado não por seu mérito, mas por seu impacto na opinião pública.
A metáfora é potente: o cometa é real, os cálculos são precisos, mas a sociedade prefere relativizar. A negação coletiva funciona como mecanismo de defesa — e também como estratégia de poder.
Governos em campanha, não em ação
A presidente interpretada por Meryl Streep sintetiza o oportunismo político que atravessa crises reais. A prioridade não é proteger vidas, mas gerenciar a narrativa, manter a base eleitoral e garantir apoio financeiro. As decisões são tomadas com base em interesses imediatistas, não em diagnósticos técnicos.
A sátira, nesse ponto, escancara um problema que já deixou de ser ficção: a dificuldade dos governos em lidar com temas complexos e impopulares, especialmente quando envolvem mudanças estruturais ou enfrentamento de grandes corporações.
Sociedade apática, polarizada e vulnerável
Enquanto cientistas alertam e governantes calculam, a população se divide entre descrentes, conspiracionistas e indiferentes. A metáfora do filme denuncia uma cultura cada vez mais voltada para o entretenimento e menos disposta ao enfrentamento coletivo de problemas reais.
A lógica de curto prazo, o culto à opinião e a desconfiança nas instituições criam um ambiente em que agir com base em evidências parece cada vez mais difícil. E, quando o momento da verdade chega, já não há tempo — nem consenso — para reagir.
A urgência de mudar a direção
Apesar do tom cômico, Não Olhe Para Cima lança um recado sério: estamos diante de desafios globais que exigem compromisso com a verdade, com a ciência e com o bem comum. Não se trata de prever o fim do mundo, mas de reconhecer que o caminho atual está repleto de sinais de alerta — e que ignorá-los tem consequências.
A crise ambiental, como o cometa do filme, não espera pela próxima eleição, pelo próximo clique ou pela próxima manchete. Ela avança, silenciosa e implacável, enquanto a humanidade escolhe onde mirar os olhos.
Olhar para cima é só o começo
Ao fim da projeção, o riso dá lugar ao incômodo. E é justamente essa transição que faz de Não Olhe Para Cima uma obra relevante. A sátira serve como convite à reflexão: até quando vamos tratar o colapso como ficção?
Olhar para cima — ou para frente — é o primeiro passo. O segundo é agir, com responsabilidade, com urgência e com base em conhecimento confiável. Porque, ao contrário do que diz o título, ignorar o que está diante de nós pode ser o maior erro da nossa era.