Lançado em 2016, o filme dirigido por Thea Sharrock causou comoção e controvérsia ao tratar de temas sensíveis sob o véu de uma narrativa romântica. Com Emilia Clarke e Sam Claflin nos papéis principais, a obra vai além do melodrama para tocar em questões profundas sobre liberdade, representatividade e a complexidade das decisões individuais diante da dor.
Entre castelos e cadeiras de rodas: o encontro de dois mundos
Louisa Clark é tudo que Will Traynor já não consegue ser. Vibrante, criativa e um tanto excêntrica, ela vive à sombra das próprias incertezas. Já Will, ex-executivo bem-sucedido, carrega na memória o que perdeu após o acidente que o deixou tetraplégico. Quando Lou é contratada para ser sua cuidadora, a convivência transforma ambos — mas não o suficiente para mudar a decisão que Will já tomou: recorrer ao suicídio assistido.
A premissa, simples à primeira vista, se desenrola em dilemas éticos e emocionais que desafiam o espectador a abandonar certezas fáceis. Pode o amor salvar uma vida que o próprio dono já não considera digna? E quem, afinal, decide o que é “vida plena”?
Mais do que romance: um campo de batalha emocional e político
Embora a estética suave do filme — figurinos coloridos, paisagens bucólicas, trilha envolvente — possa sugerir leveza, Como Eu Era Antes de Você mergulha em uma das discussões mais intensas do nosso tempo: o direito à escolha sobre o próprio destino. A narrativa se apoia na construção da empatia, mas não escapa das críticas. Para muitos ativistas e pessoas com deficiência, a obra reforça o estereótipo de que a vida com limitações físicas seria automaticamente insuportável.
A polêmica ganhou força nas semanas após o lançamento, com protestos organizados e posicionamentos de entidades que defendem a inclusão e os direitos das pessoas com deficiência. A diretora e a autora defenderam a obra como uma “história individual”, mas o debate permanece aberto.
Louisa, Will e o que não se pode mudar pelo afeto
Louisa, no entanto, também carrega sua jornada. Ao longo da trama, ela sai da zona de conforto — simbolizada pelo namorado apático e pelo emprego mecânico — para descobrir uma força até então desconhecida. Sua transformação, mais do que um arco romântico, é um exercício de afirmação e liberdade.
Will, por sua vez, representa uma autonomia radical. Recusa ser objeto de compaixão ou resignação. Sua escolha final não nega o amor que sente por Lou — ao contrário, é exatamente por reconhecê-lo que decide partir. A despedida é agridoce, mas coerente com os princípios que o personagem defende desde o início.
Representar para além do conforto
O filme não se propõe a oferecer respostas fáceis. E talvez por isso tenha causado tanto desconforto. Ele toca em feridas sociais que vão da acessibilidade ao classismo, da saúde mental à desigualdade de oportunidades. E, ao fazê-lo, revela como muitas vidas são marcadas não apenas pela condição física, mas pelas estruturas que cercam — ou limitam — quem vive com deficiência.
Ao mostrar a tensão entre cuidar e controlar, entre amar e permitir que o outro parta, Como Eu Era Antes de Você propõe uma reflexão sobre o que chamamos de empatia: ela exige escuta, mesmo quando o que ouvimos nos parte o coração.
Quando amar é aceitar — e deixar ir
Como Eu Era Antes de Você não é um conto de fadas. É um retrato sensível — e muitas vezes desconcertante — de amores que não curam, mas respeitam. De escolhas que parecem finais, mas abrem portas. De vidas que desafiam os parâmetros do que é “normal” ou “aceitável”. Em tempos em que o debate sobre dignidade, autonomia e cuidado se torna cada vez mais urgente, a obra propõe uma pergunta incômoda, mas essencial: será que ouvir o outro inclui aceitar quando ele diz “basta”?